segunda-feira, dezembro 26, 2011

A que ponto chegamos?

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Hoje vou falar aqui de um assunto que irá tocar em pontos bastante polêmicos, mas quando a inspiração chega, seja da forma que for, devo dedicar-me a escrever sem medo, por mais riscos que eu possa correr de ser julgado pelas outras pessoas. Peço inspiração ao alto para que minhas palavras aqui sejam claras e objetivas, que sejam dignas da compreensão da maioria dos leitores. 

Houve uma época de minha vida, que por um longo período, morei em um bairro muito pobre da zona sul de São Paulo, a famosa periferia. Quando se vive em uma periferia, ao menos para mim, aprendemos regras de convívio social, bastante diferentes daquelas ensinadas antigamente nas aulas de moral e bom costume. Eternizada pela voz de Bezerra da Silva, a frase “Malandro é malandro e mané é mané”, descreve bem aquilo que estou querendo expressar aqui, mas para desenhar uma imagem perfeita daquilo que estou dizendo, nada melhor do que um exemplo, então vamos lá: 

Minha história nesse bairro de São Paulo começou aos meus 10 anos de idade, fui morar lá junto de minha família e por lá fiquei até os 18. Deixei meu lar com essa idade e fui morar em outra cidade, entre idas e vindas voltei a morar nesse bairro por mais duas vezes, já casado, uma vez fiquei por lá durante 1 ano, saí novamente e voltei para ficar mais 3 anos, somando são 12 anos de experiência nessa periferia. Fiz essas contas para poder dizer que nesses 12 anos, 11 anos e 10 meses, na casa de minha mãe, havia uma placa toda velha e enferrujada com os seguintes números 293, era o número da casa, que entre outras funções indicava ao carteiro onde deveria entregar nossas correspondências. Depois de uma série de acontecimentos, dentre eles o falecimento de minha mãe, fui morar naquela casa com minha esposa, precisei dar uma bela reformada em todo imóvel e durante a reforma, fui até a calçada e encontrei uma coisa na fachada da casa que eu tinha vontade de mudar fazia tempo, a bendita plaquinha com o número 293. Rapidamente segui até o depósito de material de construção mais próximo e comprei os números mais bonitos que pude encontrar, dessa vez não era uma placa com os 3 números, comprei o número 2, o número 9 e o número 3 todos muito bem trabalhados, enfim, uma coisa tão simples como essa estava me causando uma empolgação fora do normal. No mesmo dia que os comprei, retirei a placa velha e enferrujada que após ter saído completamente, revelou a cor original daquele muro, ou melhor, revelou-me o fato de que o muro nem sequer tinha sido pintado quanto afixaram-na lá, fato que na época devia fazer no mínimo uns 30 anos. Peguei minha furadeira e cuidadosamente fiz 6 furos, cada número vinha com dois pinos para ser encaixado na parede. Alinhei os números com todo cuidado e cerca de meia hora depois, eu tinha conseguido deixar a fachada da casa mais bonita com apenas R$ 6,00, visto que cada número custou-me R$ 2,00. 

Acostumado com a “política de boa vizinhança” resolvi não dar bobeira, digo isso por que somente o fato de fazer os furos corretos no muro, com a broca de tamanho certo, com a ajuda de um martelo eu conseguiria encaixar facilmente os números no muro, porém resolvi usar uma broca um pouco maior e preencher os 6 buracos com durepox, não tinha como arrancar nenhum número, somente quebrando os pinos. 

Por que estou contando tudo isso? Pelo simples fato de que dois meses depois, alguém que estava precisando muito de um número 9, roubou ele de minha fachada, deixando apenas o número 2, um espaço e o número 3. A criatura quebrou os pinos que foram fortemente afixados na parede, mas com o cuidado de não quebrar o número, imagino que não tenha sido um ato simples de vandalismo, pois normalmente quando isso acontece os estragos são visíveis, nesse caso eu possivelmente acharia o número 9 jogado em algum canto da rua. Não, não acredito em vandalismo, acredito que isso tenha sido um roubo, alguém economizou a mixaria de R$ 2,00 as minhas custas. O que fiz? Como eu não tinha jogado a plaquinha velha e enferrujada fora, voltei a fixá-la ao muro, fazer o que? 

Exemplifiquei dessa forma, para que possam entender como funciona a cabeça de pessoas desprovidas de cultura e senso de civilidade, as vezes não são nem más pessoas, são apenas acostumados a sobreviver em uma realidade que jamais aceitei para mim. 

Pois bem, outra coisa que me incomodava muito nesse bairro, eram os dias de por o lixo para fora, para que os coletores pudessem recolher. Isso me incomodava devido ao fato que, depois que popularizaram da venda de material reciclável no Brasil, todo mundo queria tirar uma lasquinha e nem os lixos estavam escapando. Acredito que o lixo daquele bairro é o mais concorrido da Zona Sul de São Paulo, bastava dar 18 horas que se viam coletores de material reciclável de todo tipo na rua, alguns com automóveis, outros com carrinhos feitos de carcaças de geladeiras e o terceiro tipo que carregava consigo apenas alguns sacos de estopa. O que acontecia então? Colocávamos o lixo para fora dentro daqueles sacos plásticos pretos, pouco tempo depois vinha um dos coletores de material reciclável e descobria que coloquei todas as latinhas de alumínio em um saco separado, para facilitar o serviço deles, esse saía todo feliz da frente de minha casa, pouco tempo depois aparecia outro coletor de material reciclável e não vendo nada, resolvia furar os sacos de lixo em busca de alguma coisa que pudesse aproveitar, eu então ia até a calçada e recolhia todo o lixo que ele deixara espalhado no chão e colocava dentro de um novo saco plástico, tempos depois novo coletor aparecia e fazia tudo de novo. Para economizar meus nervos e dinheiro na compra de sacos para lixo, resolvi colocar o lixo para fora de casa, somente quando eu ouvia o caminhão subindo a rua, trabalhoso sim, mas eu não via alternativa. 

Esse tipo de coisa, depois de passado o nervoso, me deixava sempre muito triste, pois eu notara que até o lixo estava sendo concorrido, e não era um lixo de um bairro como o Morumbi ou os Jardins, era o lixo de uma periferia. 

Enfim, depois de um tempo eu coloquei na minha cabeça que precisaria mudar dali, queria um lugar melhor e consegui, minhas condições financeiras não me permitem morar como eu desejo, ainda não, mas me mudei para uma cidade menor e consegui encontrar uma casa em um bairro, digamos, mais tranquilo. 

Sabe o que aconteceu hoje na frente de minha casa? Um coletor de material reciclável rasgou todos os sacos de lixo que eu havia acabado de colocar para fora e deixou todo o lixo espalhado, vi tudo acontecer por uma fresta de meu portão, pensei em sair e brigar com ele, visto que o rapaz demonstrava não ter o menor cuidado para não espalhar o lixo, mas resolvi preservar a mim e a minha esposa, afinal no mundo que vivemos não se pode brigar com as pessoas assim, principalmente na porta de casa. Deixei ele terminar de chafurdar meu lixo e depois fui até a calçada e juntei tudo que estava espalhado num novo saco. 

Pensando a esse respeito, lembrei-me de meus tempos de criança, quando minha mãe não queria colocar o lixo para fora muito cedo, por que os cachorros podiam rasgar e fazer a maior sujeira e comparei com essa cena de hoje, que por sua vez me remeteu aos tempos de periferia, por fim a única coisa que pude pensar foi “A que ponto chegamos?”. 
Hoje me deparei na internet com a notícia de que o Brasil está para ocupar o lugar de número 6 na economia mundial, essa mesma notícia foi veiculada pelos principais telejornais de hoje também, disseram com orgulho que ultrapassamos o Reino Unido e também que isso foi motivo de comemoração para o Ministro da Fazenda. 

Me pergunto: Será que tenho motivos para me orgulhar de meu país? Um lugar onde o lixo é concorrido, onde existem ainda cerca de 12 milhões de pessoas vivendo na miséria, um lugar em que políticas e políticos ainda prezam pela manutenção da pobreza e da ignorância de seu povo, como forma de controle? Acho que não! 

Por fim, não posso deixar de me indignar com a falta de educação de criaturas que agem feito cachorros, rasgando sacos de lixos e fazendo muita sujeira, mas não posso pôr a culpa somente nessas pessoas, visto que, ao menos para mim, 90% delas com um pouco mais de estudos e condições sociais mais dignas, com certeza não veriam o lixo com opção de sobrevivência, com certeza não mexeriam com as mãos descobertas nos detritos de outras pessoas e com certeza optariam pela educação. 

RECICLAR LIXO É MUITO IMPORTANTE, MAS NÃO MAIS IMPORTANTE DO QUE RECICLAR PESSOAS! 

Pensem nisso!

João Fernando.
26/12/2011

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