As vezes fico pensando que para mim já chega, tudo bem tenho ainda 30 anos de vida e certamente 95% da população mundial falará para mim que ainda sou muito novo, que tenho muito para viver ainda, os outros 5% são aquelas pessoas que preferem não se misturar com gente maluca, então nem sequer se manifestam. Mas sempre que esse pensamento me vem a cabeça e, venhamos e convenhamos, esse é um típico pensamento de pessoas depressivas criadas dentro de uma cultura espiritualista, visto que torna-se bem mais fácil fugir para a morte quando acredita-se que ela é apenas um recomeço, toma-me de assalto um novo pensamento: Não está na hora ainda, afinal falta eu viver uma coisa que ainda não vivi!
Por mais que esses meus trinta anos de existência terrena pesem o dobro em meus ombros, fazendo com que eu me sinta um velho ranzinza, machucado demais pela vida para poder sorrir, falta-me algo muito importante para viver, a felicidade, é esse pensamento que me mantém acordado, se não fosse ele acho que eu iria continuar dormindo.
Como diria Belchior, um analista amigo meu, ao avaliar-me disse-me:
- João, você nunca teve espaço na sua vida para ser feliz!
Essas palavras calaram fundo, pois como qualquer ser humano eu acreditava que mesmo com os revezes da vida, eu havia tido folgas para praticar a felicidade, mas quando olhei para dentro de mim com a ajuda desse meu amigo, quando observei que aquela sensação de aperto no peito sempre me acompanhou, desde tenra idade até hoje, ao ponto de eu me acostumar com ela e não mais perceber o quanto ela é nociva ao meu organismo, percebi que os problemas jamais cederam espaço para a felicidade, que a vida por algum motivo que não sei explicar, sempre cobrou-me preços muito altos.
Quem já leu meu livro, O Diário das Revelações, sabe do que estou falando. Cresci num lar desestruturado, com menos de cinco anos tive que deixar minha mãe para ir junto de minha irmã, morar com meu avô e sua segunda família por um motivo que até hoje me causa dúvidas, depois voltei a morar com minha mãe que naquela altura já estava junto de um homem alcoólatra que foi meu único exemplo de pai. Desde cedo senti o que é ter o coração dividido, pois enquanto estava com minha irmã na casa de meu avô, sentia muita falta de minha mãe, quando fui morar com ela novamente, sentia muita falta de minha irmã que ficara com meu avô. Quando finalmente nos juntamos novamente, fomos morar num porão sujo, entregues a toda sorte, quando saímos daquele porão fomos morar numa periferia da cidade de São Paulo, lá o simples fato de eu ser uma pessoa educada fazia com que as pessoas a minha volta questionassem minha integridade moral, nunca fui “mano” e só “mano” se dava bem por lá. Quando comecei a trabalhar, nunca tive paz suficiente para desempenhar um bom trabalho, para ser um bom profissional, minha casa que deveria ser meu porto seguro era na verdade apenas a fonte mor de minhas preocupações, nunca tive um porto seguro e digo isso pois, de acordo com o que aprendi com esse analista amigo meu, não há como ser um bom profissional e ter um bom desempenho seja em escola ou trabalho, quando não se tem um lugar em paz e seguro para voltar todos os dias.
Quando resolvi me casar, cedo sim hoje concordo com isso, mas mesmo assim o fiz conscientemente, fui cercado por um bando de gente que come ovo e arrota caviar e cometi o erro de aceitar ser ajudado por eles. O preço? Toda sorte de humilhações, acho que nunca paguei tão caro por um prato de comida quanto naquela época. Aceitei ser condicionado a todo tipo de regras e costumes, morei onde achavam que eu tinha que morar, me vestia como achavam que eu tinha que me vestir e busquei ter um comportamento como achavam que eu tinha que me comportar, mesmo agindo de forma falsa e por consequência pouco duradoura. A vida me ensinou a ser assim, uma fera por dentro e um cordeiro por fora, o problema é que ela nunca me mostrou como libertar a fera. Agora, sinto essa fera cavando sua saída por entre minhas vísceras, tramando sua fuga e libertando-se por conta, sem controle e pronta para atacar quem se por em seu caminho. Será que isso é bom? Não sei, só posso dizer que a fuga é inevitável.
Houve um momento em minha vida que acho que cheguei bem próximo da felicidade, eu cuidava apenas de mim e de minha esposa, tínhamos bons empregos e meu contato com tudo e todos aqueles que me faziam mal era mínimo, chegando as vezes ao ponto da inexistência! Como era bom e como foi rápido para piorar tudo de novo, bastou a necessidade de buscar um simples móvel na casa de minha mãe, foi quando eu percebi que ela estava magra demais e com os olhos cheios de pedidos de ajuda, por mais que seu orgulho não a permitisse verbalizar isso. Desse ponto em diante, foram dois anos de mais sofrimentos e aquele menino que crescera sem a presença de um pai, com vinte e seis anos de idade viu sua mãe ter suas forças minadas pelo câncer que se espalhava em seu corpo, ao mesmo tempo em que mesmo sendo o único a cuidar dela de forma incondicional, ouvia barbaridades de seus parentes.
De fato esse velho de palavras tão lamentosas, incorporado no corpo de um moço de apenas 30 anos, precisa aprender ser feliz, pois há felicidade nesse mundo, é nisso que acredito e é ela que eu quero encontrar, é dela que eu preciso para voltar a ter apenas 30 anos de idade.
Que a fera que está dentro de mim se liberte e que ela ame quem quer amar e que ela destrua quem deseja destruir. Eu nunca soube controlá-la apenas prendê-la e agora que ela se liberta das correntes de minha hipocrisia, que ela seja eu e que esse meu atual eu seja destruído por ela.
A única coisa que desejo nesse mundo é ser feliz!
João Fernando.
14/02/2012